Como proposto aqui, li A cidade do Sol em maio. Ao ver que esse livro completaria 10 anos de lançamento agora em maio de 2017, corri para tirá-lo da estante e não me arrependi nem um segundo!
A cidade do Sol é traz a história de duas mulheres que tiveram seus caminhos cruzados por causa da guerra no Afeganistão. A primeira delas é Mariam, a harami (filha bastarda) que viveu até a adolescência isolada de todos e sob o ensinamento da mãe, Nana, que sempre fazia questão de dizer que a única coisa que uma mulher precisa aprender na vida é a suportar. A outra mulher é Laila, a filha do professor, que cresceu com a perspectiva de que ela poderia ser o que ela quisesse, poderia se preocupar com os estudos pois não precisaria de um casamento para sustentá-la “o casamento pode esperar; a educação não. Você é uma menina inteligentíssima. É mesmo, de verdade. Vai poder ser o que quiser, Laila.” p. 105.
A criação de Mariam e o início do seu casamento são muito sofridos, em vários momentos parei a leitura para tentar assimilar tudo o que essa mulher passou nas mãos dos que conduziam a sua vida. A primeira figura a ensinar a Mariam o seu lugar social, sempre abaixo dos homens, foi a sua mãe “assim como uma bússola precisa apontar para o norte, assim também o dedo acusador de um homem sempre encontra uma mulher à sua frente” p.12. Logo em seguida, o desprezo advindo da família oficial de seu pai, que não a aceitavam por ter sido gerada fora do casamento, e, por fim, o casamento que lhe impôs o uso da burca e a escravidão do lar. Veja bem, quando falo escravidão do lar não é apenas o ter que cuidar da casa, pois isso é necessário à todos (independente do gênero), mas uma coisa é você limpar e manter a sua casa por questões de higiene e zelo e outra totalmente diferente é a imposição advinda do marido de não deixar a mulher sair de casa e querer tudo impecavelmente no lugar por que são coisas “de mulher”.
Quando chegamos à parte dedicada à Laila, o leitor se depara com uma situação mais amena, a possibilidade de uma mulher poder estudar, se formar e só casar se for de sua inteira vontade. Engraçado que mesmo sendo vista como a fagulha de esperança feminina até mesmo para as amigas do colégio “Giti e eu já vamos ter parido uns quatro ou cinco filhos cada. Mas você, Laila, você ainda vai nos deixar orgulhosíssimas. Vai ser alguém.” p. 147, a própria mãe de Laila ainda alfineta sobre a reputação de uma mulher por ser vista conversando com um homem várias vezes “A reputação de uma menina, principalmente de uma menina bonita como você, Laila, é uma coisa delicada. É como segurar um mainá. Basta soltar um pouco as mãos e pronto: ele sai voando” p. 143.
O encontro dessas duas mulheres tão diferentes se dá por causa do pano de fundo em que a história se ambienta, o cenário político da época, que baseia-se no Golpe liderado pelo Partido Democrático do Povo do Afeganistão apoiado pela União Soviética que culminou após a morte de Daoud Khan (1909 – 1978), um líder progressista que lutava pelos direitos das mulheres.
A liberdade e as oportunidades que as mulheres tiveram entre 1978 e 1992 eram agora coisa do passado. Laila ainda se lembrava de seu pai dizendo que aqueles anos de governo comunista eram “uma boa época para ser mulher no Afeganistão”. Desde que os mujahedins assumiram o poder, em abril de 1992, o nome do país passou a ser Estado Islâmico do Afeganistão. A Suprema Corte do governo de Rabbani era formada agora por mulás de linha dura que trataram de eliminar todos os decretos de período comunista que fortaleciam a posição das mulheres e de substituí-los por determinações baseadas na Shari’a, as estreitas leis islâmicas segundo as quais as mulheres têm que andar cobertas, são proibidas de viajar sem a companhia de um parente de sexo masculino, são punidas por apedrejamento se cometerem adultério.
P. 229
Esse cenário político mencionado em A cidade do Sol me fez pesquisar sobre o país e fiquei chocada ao saber que na década de 70 as mulheres usam saia a cima do joelho! Para quem nasceu depois do início da década de 90 não acompanhou as transformações que o país sofreu e talvez por isso tenham a imagem de que as mulheres afegãs andam cobertas de burca por causa de tradições muito antigas as quais ainda não conseguiram se libertar… Não! Esse costume tem menos de 30 anos!!!

Ao longo desse livro, várias cenas me impressionaram e por diversas vezes eu li e reli trechos, as frases me tocavam de uma maneira ímpar, com um misto de beleza e tristeza. As reflexões postas por Khaled são reais e por isso tocam tanto o leitor.
Sobre a estrutura do livro, as cenas, apesar de cronológica, dão saltos e em muitos momentos deixam fios soltos para que o leitor entenda o que aconteceu a partir dos próximos acontecimentos, achei muito legal essa proposta. A composição das frases e dos diálogos foram pensados de maneira a deixar a leitura doce diante de tando fel ali demonstrado. Khaled é o autor do best selles O caçador de pipas e sua fama de bom escritor não perdeu-se em nenhum momento n’A cidade do sol, ao contrário, ele poderia ter o mesmo reconhecimento graças a esse seu segundo título.
2 comentários em “Eu li: A cidade do Sol, de Khaled Hosseini”